domingo, 31 de julho de 2016

Bar é poesia (Fim de julho)




Fim de julho





(luiz alfredo motta fontana)



Na varanda
domingo escoa

Na janela
 preguiça espreita

Na sala
nua sobre o tapete
tua ausência anoitece

Na alma
agosto acena

Lá fora
um gato esgueira
sem luar
farejando o vento





sábado, 25 de junho de 2016

Bar é poesia (Saldos e Retalhos)




Saldos e Retalhos



(luiz alfredo motta fontana)



-E ela?
Perguntaram sem prefácios
-E ela?
Insistiram em jogral

Sabiam a resposta
e repetiam
-E ela?

Foi quando trocou de mesa
Afinal, dela nada restara
A não ser,
sua notável ausência
Desta, não se livrara 






sexta-feira, 13 de maio de 2016

Bar é poesia (A dúvida)




A dúvida



(luiz alfredo motta fontana)




Ela
A mesma saia florida
A blusinha em tom palha
Nos pés sandália em saltos
equilibravam o ondular do quadril
Sorriu ao reconhecer

A diferença?
A mesa a que se dirigia
Nela, o outro
O bolero?
Talvez o mesmo

Ele
Distraiu-se
Em meio ao malte
Acendeu o cigarro
A fumaça era pura filosofia

Indagou-se
Enquanto acenava ao garçon
Com quantas verdades
compusemos
nossa mentira?







sábado, 7 de maio de 2016

Bar é poesia (permanecem...)




permanecem...



(luiz alfredo motta fontana)









permanecem
com todo o frescor de novo
o aroma e a maciez
de tuas curvas
junto ao percorrer dos sentidos

permanecem
vivos
mesmo que
condenados
ao fado de memórias

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Bar é poesia (Preguiça)




Preguiça



(luiz alfredo motta fontana)








Como no por de sol baiano
que se atrasa nos carinhos
Como na brisa
que busca, sem pressa, a folhagem
Na certeza do encontro, ainda que, findo o motivo
a tradução é a mesma
Preguiça

terça-feira, 3 de maio de 2016

Bar é poesia (O segredo)




O segredo





(luiz alfredo motta fontana)







Porque andas tão leve?
Teu caminho, pelo que sei, foi árduo...
Porque esse sorriso com ares de novo?
Qual teu segredo?

As perguntas brotavam sem pausas
do que se dizia "velho amigo"

sem pausas
sem vírgulas
sem pudores...

A curiosidade explícita

Porque?
Simples!
dissera em resposta
O caminho foi árduo, mas único
O segredo é singelo
Caminhe...
ao mesmo tempo dispa as mágoas
E nunca...
nunca mesmo
vista o "achamos isto ou aquilo"
dos meros circunstantes
estes, são péssimos alfaiates

Respondendo
entre um gole e outro
admirando a cor do malte
no mesmo copo baixo
límpido cristal
sem máculas do passado
mesmo que maturado entre histórias e encantos

Bar é poesia (O glamour)




O glamour




(luiz alfredo motta fontana)







a mesa repleta
a conversa fluindo

ele, como sempre encantado
ela, ensaiando a naturalidade

a música, tecendo o enredo

três vezes ela se fora
cometendo o ato inútil
levar os rins ao toilette
era a desculpa
para cuidar do carmim dos lábios

sábado, 30 de abril de 2016

Bar é poesia (ansiedade)




ansiedade





(luiz alfredo motta fontana)








não
não desanimes
embora lá estiveste
tu não pertences ao passado

quando só o luar te vestir
despida de medos
tocada em orvalho
restará a certeza
só então tu estarás
nua em meu porvir

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Bar é poesia (Poemeto reservado)





Poemeto reservado





(luiz alfredo motta fontana)








Quando verso
é orquídea.

Quando o dizer
é rubro qual antúrio

Quando o escrever
é continua entrega de afagos

Quando a musa se revela
em um sorrir

Quando nua também é a poesia
cabe ao poeta
por cuidares
cobrir-se de respeito
e na delicadeza do gesto
apresentar
reservado
o poemeto

Bar é poesia (Poemeto sem censura)





Poemeto sem censura




(luiz alfredo motta fontana)









Nenhuma censura
Nenhum corte
Nenhuma página por revisar

Apenas versos
reversos
revendo
apenas...

Pode ser,
e o foi
breve, tênue, frágil
mas cheio de encanto
além da própria lembrança

Com calma
na saudade, delicadamente, se apequena
renovando afagos

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Bar é poesia (Dieta Sentimental)




Dieta Sentimental



(luiz alfredo motta fontana)





Quando a cintura era fina, sonhos
Agora
Três números acima, lembranças

Emagrecer para sonhar?

Bar é poesia (Canções de tua trilha)




Canções de tua trilha





(luiz alfredo motta fontana)





faina diária
caminhava lerdo
discreto semeava
como que distraído pintor

solo úmido
pequenas adições de ternura
volta e meia o cuidar
contra pragas e daninhas

em cada manhã de sábados
meio que triste
colhia
canções de tua trilha

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Bar é poesia (Além de cinzas)




Além de cinzas



(luiz alfredo motta fontana)






Calados os tamborins
insones os Pierrots
desconsoladas as Columbinas


Restam confetes, aqui ou ali
manchas em carmin
esperanças em ordenado debandar

Quarta em cinzas
sonhos que findam
fotos a revelar

A harmonia só retornará
nos primeiros acordes
de um novo samba-canção

sábado, 23 de abril de 2016

Bar é poesia (Eles)




Eles



(luiz alfredo motta fontana)







Para manter a rotina,
levam, todos os dias,
paletó e gravata,
ao café central,
no calor de 40º.

Criticam a conjuntura
Lamentam a burocracia
Fazem planos para o futuro
Investem na loteria

Quando precisam raciocinar,
entoam o mantra:
Salvo melhor juízo!

Enquanto isto...
Elas!
Sobrevivem...

A pose e a banca.

Bar é poesia (Caso chova)




Caso chova



(luiz alfredo motta fontana)





Separar
joio do trigo
Entender o fim
do ainda em cartaz
Sorrir com o esquecer

Dobrar a esquina
retomar o passo

Caso chova
a alma estará lavada

...choveu aos cântaros!

Bar é poesia (A receita)





A receita




(luiz alfredo motta fontana)





Caminhar!
essa a receita
A voz prenhe de razão
e cuidados
determinou

Caminhar?
e a preguiça?
o deixe para amanhã?
o refúgio do poeta?

Talvez...
levar ao passeio
personagens ainda por compor
letras ainda soltas
Deixá-los nus
E retornar
na manhã seguinte
distraidamente
recolhendo os seus
com ares de mundo

Quem sabe?
a receita aceite
o tempero da poesia!

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Bar é poesia (A menina e o samba)




A menina e o samba




(luiz alfredo motta fontana)







Não lembre menina
não pense menina
apenas desfile
Cante!

Acompanhe o tamborim
acene ao mestre-sala
Sorria!

Mais que isso
em agudo tom
ria!

Lave a alma
trance os pés
gingue!

Essa noite
é teu meu carnaval
dance!

Bar é poesia (Não será absurdo)




Não será absurdo



(luiz alfredo motta fontana)



Não acorde nu
não revele fraqueza
não espere
sempre haverá um abandono
sempre haverá uma desculpa
sempre

na dúvida
lembre-se de Ibsen
- o homem mais forte é o que esta mais só
"O inimigo do povo"
é logo ali

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Bar é poesia (pequena)




Pequena



(luiz alfredo motta fontana)






Tu és múltipla

Eu... 
menino,
o sorriso, o carinho certo, a cama feita
Tu...
guerreira,
o movimento, a fala certa, o carinho exato

Jamais inclina, não emudece,
tens a flecha,
a mão certeira

És água, límpida, que serenamente murmura enquanto passa
És mata, cheiro, cores, mistérios, o encantamento

Não te guardo
Não te prendo

Apenas te sinto
Ao lado

sábado, 16 de abril de 2016

Bar é poesia (Enganos)





Enganos




(luiz alfredo motta fontana)




Em cada esquina, um engano
Em cada frase, um sinal trocado
Em cada rua, uma mão proibida

Em cada engano, uma desculpa
Em cada sinal, uma cumplicidade
Em cada mão, um dedo esperto

Haverá perdão?

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Bar é poesia (psiu...)




psiu...




(luiz alfredo motta fontana







escute
preste atenção

a poesia
acredite
ainda caminha por aqui

Bar é poesia (La lune brille)




La lune brille 




(luiz alfredo motta fontana)







Mesmo que breves
Mesmo que sonhos
Mesmo que estranhos,
ao consentir das viúvas de plantão

Foram belos
Foram música
Tornaram-se versos
Refletiram o luar

E agora,
quando se reconhecem,
apenas em poesia

La lune brille, 
révélant sa nostalgie

Bar é poesia (Hai Kai)




Hai Kai



(luiz alfredo motta fontana)




não o deserto
presente o marejar
em meu olhar

domingo, 27 de março de 2016

Bar é poesia (O adormecer do poeta)





O adormecer do poeta





(luiz alfredo motta fontana)





A nascente vai ao longe
afluentes minguam
saltos, sobressaltos
são agora lembranças
suavizaram

Turvo
guarda poucos sonhos
alguns nunca acordados
relutam em prosseguir
vencidos pela corrente

É um rio
é a vida
é a poesia que se despede
é um poeta
prestes a adormecer

sexta-feira, 25 de março de 2016

Bar é poesia (Toda noite)




Toda noite




(luiz alfredo motta fontana)






Toda manhã
meus fantasmas 
em magia suave
tornam-se crianças
sorriem

toda noite ressurgem
postados à mesa
ou dividindo balcão

toda noite
asseguram
tristeza nunca andará só

domingo, 13 de março de 2016

Bar é poesia (Noite em dia)




Noite em dia




(luiz alfredo motta fontana)




Reclamava
Não se acostumara à nudez
Passara a vida entre sombras e panos
Sentia-se violada
Respirava noite em dia

O poeta a atendeu
e a seu modo
a vestiu
Verso nu 
agora, a cobria

O poema, ainda úmido
na musa ardia





sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Bar é poesia (Dizem)




Dizem



(luiz alfredo motta fontana)




Dizem
no Olimpo
que trombetas ecoam

dizem
no mesmo Olimpo
que tias revoam

dizem
que contratos se fecham
nos cartórios do Olimpo

dizem
e se dizem
dúvidas não há

o Olimpo
despe-se de musas
tudo se reduz à taxas e guias

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Hoje)




Hoje




(luiz alfredo motta fontana)







O poeta equivocado
transformou em musa
quem, desnuda, desfilava a própria fuga

Versos buscaram sonhos
nos entreatos de tuas vergonhas 

O poeta equivocado
criava jardins em cantos
orquídeas floresciam
enquanto vestias
falsas roupas intimas

O poeta equivocado
ao acordar já não sorri
lava a poesia
enxágua os versos
rasga velhos poemas

Quem foi musa
agora veste
sociais miçangas

O poeta?
envelheceu

Hoje não comemora
apenas esquece

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Poemeto cínico)




Poemeto cínico




(luiz alfredo motta fontana)






Com estridência,
em seu tom gutural,
esboçava risadas.

A cada tragada,
arqueava os ombros,
cobertos em cambraia branca

Afinal...
seus instintos reprimidos,
e jamais confessados,
de donzela quase invícta,
testemunharam:

A última dança do casal,
um bolero singular,
um prá lá, um prá cá!

Bar é prosa (Em nome da Comenda)




Em nome da Comenda





(luiz alfredo motta fontana)





Francesco Altileme Filho, era herdeiro, do nome, do sobrenome, e de regras de comportamento.

Herança envolvente, asfixiante, duradoura, da qual ousava escapar, somente, na privacidade da "sala de música", envolta em paredes de cortiça, pesadas cortinas e poltronas de outrora, revestidas em couro.

Em outros cômodos, ou na rua, era sempre o herdeiro, do primeiro Francesco, que em dia de glória, adquirira o sonhado título de Comendador, data que culminou com o jantar planejado, tendo como convidado principal, Dom Giuzeppe, “o Breve”, Bispo de larga fronte e enormes costados.

Homem feito e refeito, embora ainda sob o peso da herança, Francesco vencera, pertencia ao mundo empreendedor, brilhava em reuniões, como o principal executivo, da filial paulista, de robusta empresa européia.

Ao estacionar na vaga perfeita, do supermercado das manhãs de domingo, uma pequena lembrança lhe acometeu, quase que ouvia o barulho, infantil, do chacoalhar da caixa de papelão.

Em meio ao labirinto de corredores e gôndolas, qual aventureiro em terras longínquas, sentia o gosto do conteúdo, desfazendo-se no céu da boca.

Abraçado ao objeto de desejo, quase não percebeu o olhar , entre curioso e sarcástico, que Altaneira Venâncio, Diretora de Marketing, sala ao lado da sua, lançava, ora para seu rosto distraído, ora para a escandalosa caixa ilustrada.

Ao responder o “Bom Dia”, um tanto quanto estridente, encontrou a solução, qual mágica, vinda de sua, elogiada e reconhecida, capacidade de reação e improvisação frente aos desafios de mercado.

E, com ar professoral, discorreu sobre singela receita, do que chamava, “Filé do Comendador”.

Aproveitando-se da proximidade do balcão de cortes bovinos especiais, escolheu com enfado a embalagem de “tournedos” de filé, e dois passos à frente, um vidro de maionese light.

Naquela tarde, enquanto buscava o conforto no barroco de Bach, sorria ao imaginar o sucesso da receita.



“Filé do Comendador”



Ingredientes:

- quatro tournedos de filé
- sucrilhos tradicionais (o da caixa da infância)
- maionese light


Preparo:

- untar os tournedos com maionese
- após, passá-los numa vasilha contendo sucrilhos
- levar ao forno médio

Servir acompanhado de escarolas cozidas, ao tempero de azeite.




Francesco manteve sua postura, com pitadas de excentricidade.

A tigelinha de ágata, comprada na feirinha de antiguidades, repousava ao lado, úmida de leite, e pontuada de sucrilhos.